Nunca se conformara
com aquela vida tão longe do mundo das novelas e revistas que lia, mesmo
atrasadas. Tinha pena da mãe, precocemente acabada na pesada lida e certo
rancor pelo pai, que obrigara a coitada a ter tantos filhos e a se consumir lavando
roupa, cozinhando naqueles panelões pesados e ainda ajudando na roça. Nunca ia
querer uma vida dessas para si mesma!
Andava pelos cantos
sorumbática, resmungando de cansaço e só virava gente quando eles iam dormir e
ela podia sonhar um pouco, pelo menos até desligarem a luz.
Não era bonita, sabia
disso, no entanto tinha certeza de que com os enfeites certos poderia chamar a
atenção dos homens da cidade. Não daquela cidadezinha ao lado, mas de uma
grande capital, para onde tinha certeza de que um dia iria.
Convidada para uma
festa de batizado na cidade, conseguiu enjambrar uma roupa melhorzinha e foi
com os irmãos mais velhos, com os olhos brilhando de esperança. Quem sabe não
seria naquele dia que sua vida ia mudar?
Envergonhada, ficou
prestando atenção naquela família rica que chegou com um carro lindo e belas crianças,
muito bem vestidas. - Com dinheiro todo mundo fica lindo, pensou. De repente,
eis que a dona toca em seu braço, deixando nele um rastro de perfume e ela se
encolhe, pronta para se desculpar do que nem tinha feito.
- Você não gostaria
de trabalhar na cidade grande, cuidando dos meus filhos?
Beliscou a mão atrás
das costas para ver se era sonho ou se ouvira mesmo a pergunta. Se queria? Como
não? Era só isso que desejava e esperava na vida! E se o velho encrespasse
fugia, mas não voltava para aquele sítio nunca mais.
- Senta aqui. A gente
não morde. Você vai gostar da nossa casa, que tem até piscina, cachorros e uma
televisão que até parece cinema. Você gosta de filmes na TV?
A partida era um
caminho sem volta, sem saudades, sem arrependimentos. Nada poderia ser pior do
que viver naquela casa. Até a mãe lhe disse isso ao entregar a pequena trouxa
com seus pertences.
Com coisa boa a gente
acostuma ligeiro e não demorou nada para a mocinha assustada pintar a boca,
trançar o cabelo, beijar no portão. Só que ainda era pouco, queria mais. Queria
vestidos macios como o da patroa, jóias nos dedos, um homem de voz macia e mãos
fortes, encontros emocionantes, uma vida de verdade, como sempre sonhara. E ia
conseguir.
Descobriu que a
patroa andava entediada e passava a noite ao telefone quando o marido médico
dava plantão. Em algumas noites o sol já se anunciava quando finalmente o
telefone voltava ao gancho e ela enfim ia dormir. Ouvindo escondida na extensão
da cozinha descobriu que a voz macia da patroa marcava encontros e fazia juras
de amor. Só que não comparecia, talvez com medo de perder o rico casamento.
Criou coragem e, numa noite, confessou sua escuta e pediu para ir no lugar
dela, queria tanto conhecer um homem perfumado , de mãos macias.
Foi assim que
descobriu o sexo, as drogas, verdadeiras orgias em motéis badalados, homens de
mãos macias e sopapos violentos; chantageou a patroa, usou os melhores vestidos
dela, esqueceu as crianças e nunca mais ligou para saber da mãe. Encolhida num
canto da cama ouvia o ressonar pesado e o cheiro de álcool do estranho ao seu
lado. Então esta era a vida com que tanto sonhara naquelas noites frias do
sítio, pensou olhando suas próprias olheiras no espelho do quarto imundo.
Nunca saberia o que é
o Amor.
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