Saudade de quem vive longe apenas fisicamente tem remédio.
Os meios de transporte e de comunicação estão aí pra isso.
Saudade de quem já morreu é uma saudade triste, porque
acompanhada da impossibilidade de cura. O socorro vem das lembranças, do rastro
que a pessoa deixou neste mundo e no qual nos confortamos.
Mais difícil é a saudade de nós mesmos, essa sim costuma
machucar bastante e as comparações são inevitáveis. Para atiçá-la, basta
encararmos estoicamente um álbum de fotografias de anos atrás. Junto à infância
dos nossos filhos estamos nós, cheios de vigor, elegantes, enérgicos, com
aquele olhar de quem ainda pretende conquistar o mundo e tem mil planos a
concretizar.
Sempre que precisamos correr, subir escadas, fazer força, levantar
peso nos recordamos de uma energia e uma flexibilidade aos pouco extinta.
Quando nos preparamos para uma festa, precisamos driblar
muitas imperfeições, gastamos mais tempo corrigindo defeitos do que salientando
qualidades e o produto final quase nunca nos agrada totalmente.
Entramos naquela fase de não termos mais a convicção de que
estaremos presentes no casamento e na formatura dos nossos netos e procuramos
formas de nos eternizarmos na lembrança deles.
Viver cada dia como se fosse o único e o último é uma opção,
no entanto, não satisfaz a todos. Eu, pelo menos, não conseguiria viver assim.
Mesmo os menos reflexivos, vez por outra se pegam tentando
adivinhar o que será feito dos seus livros, dos seus objetos mais caros, das
suas conquistas pela vida. E evitam imaginar o descaso com que certamente serão
tratadas as coisas que tinham tanta importância para eles.
Talvez seja a hora de estabelecer diretrizes, destinar bens
materiais, evitando assim as desagregações familiares que costumam acontecer
nas partilhas. Não é mórbido, é real. Seria bom se as pessoas ainda jovens,
ainda no poder completo de suas faculdades mentais, organizassem seu patrimônio
e suas aquisições na vida, colocassem tudo no papel, registrando em cartório,
para que pudessem viver sua última etapa apreciável da vida sabendo que os bons
seriam recompensados e os ingratos deserdados.
Banho de chuva, rolar na grama, saltar do trampolim na
piscina, jogar bola, usar o cabelo molhado e a cara lavada como sua melhor
moldura, fotos em close, dormir muito, jantar tarde, fazer planos, gargalhar,
namorar – em toda a extensão e a gostosura da palavra, ser dono de si e do seu
tempo, acreditar, experimentar, ter emoções intensas, sorrir para o espelho na
hora de escovar os dentes, com satisfação. Nada disso nos pertence mais...
É claro que existe um outro lado. Tudo na vida tem dois
lados, no mínimo. Mas, como esse texto não é de autoajuda, prefiro não
comentar.
“A saudade é dor
pungente, morena,
a saudade mata a
gente...”
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