É fato conhecido que nossa memória é
também olfativa e visual. Quem não viaja num aroma, seja de perfume, mingau,
fruta madura, cavalos, mar, enfim, o olfato nos leva a lugares dos quais nem
imaginávamos ainda lembrar. A visão desempenha papel semelhante, somos capazes
de lembrar, com detalhes, o rosto, a expressão e até a letra das colegas de
Ginásio, por exemplo.
Hoje acordei sentindo a memória na
ponta dos dedos e descobri que ela pode também ser táctil. Não é a mesma
sensação do teclado do piano. A partir dele extraímos músicas, ruídos,
acalantos, guerras.
A memória a que me refiro, no entanto, é
aquela de passar a mão, levemente, sobre aqueles vestidos especiais, estendidos
sobre a cama da avó, recém chegados da costureira. A maciez do veludo, a
delicada aspereza das rendas e dos bordados, a goma dos colarinhos e das
anáguas rivalizando com o impacto visual. Três vestidos, notadamente, ficaram
impressos nas minhas retinas e na ponta dos meus dedos: o da primeira comunhão
(de broderi); o do debut (de organdi suíço) e o de noiva (de organza). Todos
brancos, imaculados, com bordados diferentes e aquela sensação antecipada do
momento que eles representavam.
Mais tarde, meus dedos se lembram de
alisar roupinhas de bebê, sapatinhos, toucas, travesseirinhos, antegozando a
emoção de trazer ao mundo uma criança.
Outras sensações permanecem com a
gente, como aquelas sentidas nas ruas, com os assovios e galanteios para nossa
passagem de menina a moça.
Os primeiros contatos físicos com o
sexo oposto, roçar de mãos, de faces, de lábios, tudo fica cristalizado na
memória, bastando invocá-la para voltar a sentir.
As mãos da mãe na testa da gente,
procurando sentir a febre cedendo.
Nossas mãos nos cabelos do filho
adormecido e do pai velhinho, sensações parecidas, como se já fôssemos mãe de
ambos.
As mãos que seguram fortemente as
mãozinhas pequenas para atravessar a rua e depois embalam o neto, decorando
seus traços, transpirando amor.
Mãos postas, alisando cada conta do
rosário e pedindo por cada filho, cada desafio, cada prova, cada viagem, cada
segundo.
Quem pode esquecer a sensação de um
banho de chuva no verão? Da água correndo pelo rosto, pelos cabelos,
encharcando a roupa?
A sensação do toque nas mudanças do
corpo e do rosto, no trabalho do tempo sobre eles e sobre as mãos que examinam
também. Não dá para comparar, é questão de aceitar e, se possível, chegar
diante do espelho sem óculos. Afinal, se a natureza é tão sábia a ponto de nos
diminuir a visão para não enxergarmos as rugas, porque iremos contrariá-la?
A sensação das mãos do amado passeando
em nossa anatomia é sempre agradável, em qualquer etapa da vida. E independe do
nosso manequim. Afinal, ele também não deve ser mais tão elegante.
Por fim, a melhor das sensações: mãos
que enlaçam o filho que chega e se fecham num abraço, como se, assim, pudessem
guardá-lo e impedir sua partida. Não tem explicação, nem preço.
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