Uma das coisas que mais agradeço à minha família por ter
aprendido foi tocar piano.
Num pianinho de brinquedo, com um teclado afinadinho e uma
partitura na parte superior minha avó me ensinou as primeiras notas musicais e
eu não larguei mais a brincadeira.
Logo vieram os primeiros elogios, dizendo
que eu tinha facilidade, ouvido musical e coisas do gênero.
Na minha meninice muitas crianças e jovens aprendiam algum
instrumento musical. O fato da cidade ser pequena e podermos nos dirigir sozinhos à escola, ou às
aulas de música, certamente facilitava as coisas. E eu fui bem cedo para as
aulas do Maestro Eugênio Schneider, com apenas sete anos. Lá fui apresentada a vários instrumentos,
mesmo sendo matriculada como aluna de piano. Dele ouvi também coisas
auspiciosas sobre o meu futuro na música; no entanto, o fato de passear
frequentemente pelos acordeons, violões e até instrumentos de sopro, fez com
que meus pais me trocassem de escola. Fui estudar com a Dona Cyra Neves Brittes,
que focou minha inclinação musical no piano e, a seguir, no coral da escola.
Mais tarde, quando dona Cyra deixou de dar aulas, aprimorei
minha técnica com a dona Rosalina Pandolfo Lisboa, que vinha de Uruguaiana para
nos ensinar. Anos depois, fui morar em Uruguaiana e terminei os estudos no
Conservatório dela, onde meu filho Cristiano, hoje guitarrista, teve suas
primeiras aulas de piano também. Minha última audição foi no Clube Comercial de
Uruguaiana, com Cristiano iniciando, aos seis anos, e eu encerrando, por ser a
aluna mais adiantada.
Luciano aprendeu violão e Carlos Eduardo foi longe no piano,
participando de concursos e lindos recitais, inclusive fora do estado,
destacando-se como um intérprete sensível do temido Bach. Cumpria-se, portanto,
o ritual de apresentar, incentivar e ensinar as gerações da família a apreciar
e se entender com os instrumentos musicais.
Minha avó materna tinha sido uma grande pianista. Tocava em
dueto com o irmão ao violino e, quando ele morreu, vendeu seu piano alemão, no
qual, infelizmente, nunca cheguei a tocar.
Meu pai pagava para eu estudar num dos pianos do Colégio das
freiras e era preciso que batessem na porta me avisando do tempo esgotado
porque eu não queria mais sair de lá.
Quando passava numa loja de pianos sempre pedia para tocar
um pouquinho e em qualquer casa ou clube que tivesse um piano lá estava eu
experimentando o som e dedilhando minhas músicas preferidas.
Diante da minha paixão e do aconselhamento da minha
professora, seu Ramos fez um sacrifício (pianos sempre foram caros) e me deu um
piano novinho, comprado do seu Zezinho Oliveira, lá no Posto Sayon. Foi o
melhor presente de toda a minha vida e eu acordava no meio da noite para ir
espiá-lo na sala, imponente, lustroso, mágico. Passava todos os meus momentos
de folga sentada diante do teclado branquinho, estudando, compondo, tirando
músicas de ouvido, era meu lazer e minha paixão. Tocava para todas as visitas,
sem reclamar e minha avó voltou a tocar – lindamente – suas dificílimas
partituras.
O piano foi um elemento importantíssimo em toda a minha
trajetória de vida. Sofri muito ao vê-lo carregado – e desafinado – nas
mudanças que tive que fazer e jamais permiti que meus filhos batessem nas
teclas só para ouvirem o ruído delas.
Hoje ele está muito fechado, quase não tenho tempo de tocar,
falta privacidade, enlevo, aquele errar até acertar que dispensa platéia. O
móvel perdeu o brilho, judiado nos caminhões e pelas empregadas da vida, mas
ainda é o mesmo que meu pai me deu aos nove anos e que me acompanha desde
então. Hoje existem pianos mais novos, mais leves, mais adequados aos
apartamentos, entretanto, o meu é especial; porque em cada tecla há um
pedacinho da minha caminhada, os aplausos da família e dos amigos, as
tristezas, os males de amor, os castigos, a ansiedade antes das audições, os
dedinhos pequenos dos filhos aprendendo as primeiras notas, o som das valsas e mazurkas da minha amada avó.
Pode não ser o melhor, nem o piano mais bonito do mundo, mas
é muito especial, porque é o MEU PIANO!
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